quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Cidades


Os lugares que escolhemos para visitar, nessas duas longas viagens que fizemos, são em geral lugarejos, comunidades, pequenas vilas. 

Espaços onde ser humano e natureza estão integrados, ou mais integrados que nos centros urbanos. Onde nos conectamos com os ciclos da lua, convivemos bem de perto com muitos tipos de insetos, pisamos na terra, reformulamos nossos critérios de conforto, flexibilizamos nossas exigências de limpeza.

Nesses lugares as crianças brincam soltas, estão livres para se arriscar, para gastar toda sua energia, para desafiarem seus próprios limites, explorarem sua curiosidade. Elas estão também em ambientes mais harmônicos para os sentidos porque a natureza traz essa harmonia. Ouvir, ver, cheirar, degustar, tocar. Tudo é mais agradável, menos brusco ou invasivo, mais leve e agradável.

Mas durante nossa viagem muitas vezes pernoitamos em cidades ou paramos por alguns dias para visitar amigos ou parentes em centros urbanos. Ali os ruídos são intensos e intermitentes, a noite é clara, não escurece de verdade, os odores nem sempre são agradáveis, no mais das vezes há poluição visual, sonora e do ar.

É notável a diferença no humor das crianças e na intensidade e quantidade de conflitos entre nós e elas.

Passamos cinco dias na casa de uma amiga muito querida em Diamantina, entre nossa estada em Araçuaí e Lapinha da Serra. Seu marido estava fora mas contamos com a companhia de sua adorável filhota de quatro anos.

Estávamos exaustos depois de quase um mês na estrada e precisávamos de um tempo em casa. Essa família mora em uma casa com quintal, mas também com televisão e as crias acabaram ficando bastante tempo na frente da tela.

E quando iam brincar, hora ou outra os conflitos se tornavam insuportáveis para nós que estávamos justamente precisando de descanso e fugindo da intensa conexão que vivemos com elas nos dias anteriores.

Então, depois de dois dias enfurnados em casa, fomos para Curralinho, uma pequena vila perto de Diamantina, fofa que só, com uma represa linda! Foi um bálsamo! As crianças voltaram a brincar livres. 

Paradoxalmente, aquele baita espaço ao ar livre é ultra acolhedor. Elas ficam tranquilas, os conflitos se reduzem, as opções são infinitas.


Brincando na Represa de Curralinho

Miguel e Valentina explorando as pedras e desafios naturais

Ales e Valen indicando o caminho

Passeando por Curralinho

Com a igrejinha ao fundo

Em outro dia fomos para a vila do parque estadual de Biribiri e mais relaxamento, risadas, conexão, alegria, prazer em estar junto.

Vila do Biribiri: almoço delícia sob as árvores

Criançada solta

Relaxados


A natureza também tem efeitos sobre nós, claro, e podemos estar mais serenos pra estar com as crianças e lidar com nossos conflitos internos e externos.

Escrevo do Rio de Janeiro[1], grande centro urbano onde mora a querida irmã do Tiago. Estamos super bem acomodados em seu apartamento, numa charmosa rua de Laranjeiras e com uma praça bem em frente ao prédio, frequentada por crianças de manhã e no fim da tarde.

Mas nossos filhotes estão muito mais irritados. Os conflitos são constantes e intensos, entre eles e conosco. E todo o tempo pedem por filminhos ou pelo celular, e mais conflitos pra negar. Nós também estamos mais cansados, menos flexíveis, com menos paciência.

Mesmo quando saímos às ruas, os ânimos não se arrefecem. É tanto estímulo para o consumo supérfluo e para coisas que fazem mal à saúde. É tanto “não” e “não pode”. É tanta negociação, que fica tudo pesado e cansativo.

No fim do dia estamos todos exaustos, crianças e adultos, muito menos disponíveis para a empatia e o cuidado. Nos desrespeitamos mais, erramos mais, sentimos mais culpa.

Observar essa dinâmica e fazer a relação com a proximidade da cidade e a distância da natureza tem sido uma grande chave pra mim e pras buscas que temos empreendido, confirmando nossas escolhas.







[1] Esse texto foi escrito cerca de duas semanas antes de sua publicação.

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