sábado, 24 de outubro de 2015

Devagarzinho

“Mãe, tem planos?” “Mãe, tem planos pra amanhã (!)?” É assim que meu filho, 3 anos e 10 meses1, me aborda diariamente. Não se satisfaz em querer saber se há algo planejado pra hoje. Quer saber se já há planos para o dia seguinte. Para a tarde. Para a noite.

De onde vem essa ansiedade se não dos pais. A criança vive no presente. Ela está conectada com o aqui e agora. Com seu corpo, com seus sentimentos, com seu fazer.

Nós, por outro lado, estamos em qualquer lugar menos no presente. Planejando, pensando, voando com nossa mente pro futuro, pro passado, pros problemas, pras obrigações, pra lista de pendências.

Por isso é sintomático quando ele diz: “Mãe, você e o papai são muito rápidos, eu sou devagarzinho.” Que pressa é essa?

Parei de trabalhar fora, mudamos pra uma cidade pequena, vivemos num pequeno condomínio que é mais uma comunidade, numa área rural, passo o dia com mes filhes que não vão à escola, não temos grandes compromissos diários e, mesmo assim, Miguel sente que não consegue nos acompanhar.

Não basta mudar de vida, de cidade, de prioridade. É preciso mudar a cada instante, observando nosso agir, nosso sentir, nosso pensar, nosso fazer.

Eu digo pro meu filho que não sei se temos planos pra amanhã, vamos viver o hoje, o agora. Mas será que eu estou fazendo isso? Suas perguntas e afirmações me dizem que não, que sou eu que preciso estar mais tranquila, menos ansiosa, mais satisfeita com o que temos e que é tanto.

Confesso que não sei bem por onde começar, mas agradeço ao meu filho por ser esse espelho tão preciso da mãe.


1Comecei a escrever esse post há mais de 3 meses, Miguel já fez 4 anos, mas continua perguntando sobre os planos!

Mãos ocupadas


Há algum tempo, sempre que pedíamos algo pro Miguel: “filho, pega essa fraldinha aí pra eu limpar aqui”, ele dizia: “agora não posso, estou com minhas mãos ocupadas”, mesmo que não tivesse nada nas mãos, ou tivesse algo que, a nosso ver, pudesse ser colocado de lado, ou que uma das mãos estivesse livre.

Nesses momentos eu apenas dizia “tudo bem” e fazia eu mesma o que antes havia pedido a ele.

A primeira reflexão que fiz é que poderia ter justamente dito a ele: “mãos ocupadas nada, você não tem nada nas mãos” ou “você pode deixar isso aqui do lado e fazer o que te peço” ou qualquer outra coisa que deslegitimasse a vontade dele. E apesar de crer que as vezes fiz alguma careta, porque era uma situação em que eu realmente precisava de uma mão, sempre busquei respeitar o que ele dizia.

Ele estava de fato com as mãos ocupadas, não importa se imaginariamente ou não, mas ele não estava disponível pra me ajudar. E isso é legítimo!

Por que o meu julgamento do que é estar ou não disponível vale mais do que o do meu filho? Por que não posso aceitar que ele não pode me atender agora, ou que ele não QUER me atender agora? Ele não tem direito de se negar? De me dizer um não?

E aí vem a minha segunda reflexão: quantos “nãos” dizemos a ele diariamente? Quantas vezes ele tem que esperar a minha disponibilidade para fazer as coisas pra ele? Quantas vezes eu simplesmente me nego a fazer algo porque estou fazendo outra coisa que julgo mais importante, ou mais prioritária?

Aliás, de onde ele tirou a expressão “estou com minhas mãos ocupadas” senão da forma como nós, adultes, falamos com ele?


Por tudo isso, acho incrível ele poder dizer dessa maneira que não está disponível pra me ajudar. E eu poder estar disponível pra respeitar sua vontade.