domingo, 30 de março de 2014

Nas quadras da Unicamp



Outro dia fomos às quadras da Faculdade de Educação Física da Unicamp, dica de uma nova e querida amiga. É gratuíto, há muitas quadras, são limpas e o mais legal, pra mim, é que os alunos estão lá jogando, usando os equipamentos. Temos companhia e podemos descobrir como se divertem com bolas e quadras!

O Miguel ama bola! E nós seguimos seus interesses.

Ao chegarmos, Miguel passou a explorar o território andando de um lado a outro do complexo de mais de 12 quadras e um campo de futebol. Eu o acompanhei sem dirigir ou propor nada e sem dizer muitas coisas, apenas respondia ao que ele me perguntava.

Nessas horas delícia de pura conexão com o filhote sempre penso em que mãe eu seria se não tivesse buscado as vivências, pessoas e informações que busquei a partir da gravidez. Imagino, nesse caso, que estaria dizendo: “olha a quadra tal”, “veja os meninos jogando”, “vamos jogar aqui”, “faz assim”. Fico aliviada e feliz por deixá-lo conduzir a atividade. É tão tão tão relaxante e gostoso!

O princípio é respeitar nosso filho em todos os momentos. Ouvi-lo. Atentar para o que lhe interessa. (Claro que somos normais e pisamos na bola, mas sempre vale o princípio!)

Não precisamos sugerir a ele que se interesse por isso ou aquilo. Não definimos o que deve receber sua atenção. Ao contrário. A criança está conectada consigo mesma, se descobrindo e a seus interesses. Se não atrapalharmos, se não impusermos os nossos, se não nos preocuparmos com a suposta falta de conhecimento ou interesse por algo que achamos importante, ela trará a tona o que lhe desperta curiosidade. E nada melhor do que um interesse genuíno para se desejar explorar, aprender e descobrir cada vez mais.

As crianças devem estar livres para definir o que querem fazer.

De nós elas esperam conexão, presença, que estejamos lá com e para elas.

Mas não precisamos dirigir a atividade, propor o que fazer, trazer estímulos de fora. Tá tudo nelas. Elas farão o que lhes der curiosidade e isso já é um mundo! E vão explorar as coisas no seu tempo. Não há pressa. Elas aprenderão se houver interesse. E se ninguém atrapalhar tratando seu aprendizado como obrigação ou como algo que mereça recompensa.

Recompensar comportamentos ou atitudes que nós adultos apreciamos é não só desnecessário mas mesmo prejudicial. A criança fará suas descobertas a partir de um impulso interno, de uma vontade própria, e não por que tem expectativa de receber algo em troca de seu êxitos. Não é salutar que ela aja para receber um presente, um beijo ou mesmo “parabéns”. Seus atos devem se originar de um interesse genuíno e interno que a motiva a agir dessa ou daquela maneira.

Acreditar na criança, pra mim, é a grande sacada dessa linha de pensamento que encontrei em vivências e autores[1].

Não significa que não possamos comemorar algo incrível que nos encha de orgulho, mas não precisamos a cada gol ou a cada acerto na contagem dos números fazer uma festa. Não é isso que a criança espera de nós. Como disse, ela quer conexão e presença.

Depois da andança pelo espaço Miguel se decidiu por uma das quadras de futebol. Para minha sorte ficamos no gol servido pela única sombra sobre as quadras, vinda de um imenso flamboyan! Agradecida!

Foram muitos chutes a gol. Mamãe na função de buscar a bola quando ia pra longe. De uma hora pra outra Miguel, de 2 anos e meio, começou a jogar a bola pra cima e, quando caia, chutava pro gol. A bola batia alto na rede. Que incrível assistir a essa sua descoberta!

Passamos pras quadras de basquete e ficamos observando os alunos jogando e fazendo cestas. “CESTA!” gritávamos!

Havia um bebedouro ali e Miguel pediu água. Na hora lembrei-me da Fátima que trabalhou mais de 30 anos na casa da minha mãe e praticamente nos criou. Lembrei-me dela dando-me água num bebedouro, fazendo uma concha com a mão. Da maciez e firmeza da base da sua mão de onde eu sorvia a água. Foi assim que a ofereci pro Miguel.

Enquanto estava ali naquela sombrinha abençoada vendo meu filhote chutar a bola feliz da vida fiquei muito grata por ter feito escolhas que me permitem viver sua infância e aprender tanto sobre mim, sobre ele, sobre nós.




[1] A primeira vez que ouvi sobre isso foi numa vivência de educação ativa com Margarita Valência, educadora equatoriana que tem promovido encontros no Brasil com o grupo Orion Educativo. Dois autores que me ocorrem agora são John Holt, Aprendendo o tempo todo, e Alfie Kohn, Unconditional Parenting. O Marcelo Michelson, no excelente blog Conexão pais e filhos, também escreve sobre isso.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Miguel e a bola








Amiga querida me pede pra relatar a paixão do Miguel pela bola. Estava escrevendo um artigo que fala da relação das crianças com o Boi e com a Bola. Que honra! Aí vai:



Não me lembro quando a forma redonda, circular, entrou na vida do Miguel. Foi muito cedo, e veio pra ficar. Desde muito pequeno ele se interessa por círculos. A lua foi uma paixão natural; a bola, amor à primeira vista.
 Tudo é bola. Em tudo ele a vê. Bola de futebol, de basquete, de tênis, de pebolim, de sinuca. Uva, laranja, limão, mexerica. Cebola, semente, ralo, prato, maçaneta. Óculos, janela, banco, pão de queijo. O zero, a letra O, o planeta terra. O gosto pelo pepino cortado em círculos. Formas arredondadas compõem quadros, livros, móveis, roupas, carros, embalagens.
 Tudo é visto a partir dela: “olha a bola”. “Papai, desenha a bola”, muitas vezes por dia. “Onde tá minha bola?”, primeira frase matinal. É o brinquedo favorido carregado a tiracolo por onde anda. “To dando mamá pra bola” me diz quando a segura junto ao peito.
 Já se apaixonou por uma pequena bola azul de futebol: “bola, você é muito linda, você é azul, você é prática, eu te joguei lá embaixo...”, por outra amarela, pela bola murcha, por uma laranja, pela branca e preta de futebol, atual companheira inseparável. “Mamãe, canta a música Oi Oi Oi, Olha aquela bola”.
 Santas bolinhas antroposóficas e homeopáticas.
 Em casa as bolas são de todos os tipos e tamanhos, de bola de sabão a “bolinha de gudinha”. “Eu chutei a bola e marquei um gol” ele conta quando alguém o chama ao telefone. Fotos, sempre com a bola, parâmetro e lente a partir da qual descobre o mundo... redondo.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Depois que virei mãe


Como tem coisa pra se aprender na maternagem! É um universo! Autoconhecimento e conexão são as palavras de ordem pra mim.

Eu queria muito compartilhar minhas experiências e reflexões, mas tem tanto blog bacana de cada mãe sabida. E que escrevem lindamente, muito melhor que eu! E os pais, cada vez mais presentes na blogsfera da materno-paternagem!

Comecei a questionar se eu tinha mesmo algo a acrescentar. Mas o fato é que a reflexões vinham surgindo diariamente e fui sentido a necessidade de escrevê-las. Daí a compartilhá-las foi um clique (mentira, vários e com ajuda do marido!).


Enfim, sou aqui mais uma mãe encantada com a maternidade e feliz de expressá-lo por esse meio. Bem vind@s!

De como cheguei aqui e agora


Foi um longo caminho até o encontro com meu companheiro e a decisão de termos um filho. Sempre tive dúvidas sobre tudo e mesmo depois de grávida eu ainda não estava, digamos, 100% segura do que eu havia escolhido.

Após o nascimento do Miguel, porém, não me lembro mais de ter tido as dúvidas que me assombravam anteriormente. As coisas mudaram. E não é que foi de repente. Foi como se sempre tivesse sido assim.

A maternidade foi pra mim uma grande transformação mas, olhando agora, é como se tudo estivesse sempre ali. Na verdade estava sim, tudo estava em mim.

As dificuldades dos primeiros meses estão encobertas na minha memória pois logo que o Miguel nasceu meu marido descobriu um tumor no cérebro removido por cirurgia. O ano seguinte inteiro foi de rádio e quimioterapia, muitas outras terapias, muitas mudanças na alimentação, nas nossas relações, no nosso estilo de vida.

Mas foi um ano voltado para esse tema: o tratamento da temida doença e, passado esse ano, voltei-me um pouco para minhas questões. Nesse ano também voltei a trabalhar em um lugar que adoro, com pessoas que amo, fazendo coisas de que gosto, com um horário pra lá de flexível, trabalhando dois dias por semana em casa e com muita compreensão das “chefes”. Aliado a isso tive a sorte de contratar uma babá cujo amor pelo Miguel é tão grande quanto o dele por ela, além de ter o auxílio de uma funcionária perfeita que cuidava da casa.

Mas nada disso me tirava o sentimento de que havia algo errado. De que meu lugar não era trabalhando fora, por mais nobre que fosse meu ofício. Que não fazia sentido tentar mudar o mundo através de políticas públicas, brigar com grandes corporações, judiciário, executivo e legislativo. Que a grande revolução, a verdadeira transformação estava na relação mãe e filho. Era essa relação na qual eu queria investir. Era essa relação que eu queria viver plenamente.

Muitas leituras me acompanharam nesse período e os livros da Laura Gutman foram fundamentais a ponto de me interessar por experimentar seu método terapêutico, a biografia humana. E foi assim que comecei um total de 10 sessões por skype em um portuñol duvidoso mas com muita ânsia de me aprofundar em mim mesma. Entendi meu papel no cenário familiar, me perdoei, compreendi as ações e reações de familiares bem como algumas das situações ocorridas logo após o nascimento do Miguel. Vale dizer que mais de 10 anos de análise devem ter contribuído um tanto para esse resultado.

Ao lado disso, cada vez mais o tema da criação dos filhos me movia. Li Carlos Gonzales e Jean Liedloff além de outros autores que tratam da criação com apego, compartilhei com mães em grupos presenciais e virtuais, acessei blogs, participei de vivências de educação ativa e vi uma entrevista reveladora com Ana Thomaz que me arrebatou! Após vários contatos e encontros finalmente comecei a fazer aulas semanais de técnica Alexander em sua casa que, pra mim, mais que tudo, foram terapêuticas para o corpo e a alma.

Foi um período muito fértil, de muita conexão e autoconhecimento. Em dois ou três meses pedi demissão do meu trabalho e em cinco mudamos de São Paulo para um pequena chácara em Barão Geraldo, distrito de Campinas.

Tudo se encaixou, a mudança gritava no meu corpo, eu precisava agir. Já. No início não sabia bem pra onde. Claro que pedir demissão sendo a maior renda familiar não é uma decisão a princípio fácil. Mas confesso que não foi difícil porque era tão óbvia!

Na verdade o que houve foi uma mudança de paradigma e uma compreensão do sentido da vida, de porque estamos aqui, do que é realmente importante. Claro que tudo isso pode ser um chavão se só ficar nas palavras e intensões. Mas essa mudança de valores atingiu meu âmago, ou brotou dele, tanto faz. Eu incorporei esses sentimentos, essa forma de pensar e sentir.

Eu queria estar com meu filho! Por mais que a babá fosse incrível, amorosa e amada por ele, quem eu queria que estivesse nos momentos preciosos do seu dia era eu. Eu queria assisti-lo na descoberta do mundo, vê-lo se desenvolver, compartilhar com ele meus valores, minhas ideias, meus sentimentos.

A princípio pedi demissão com a firme ideia de continuar em Sampa, mudar para uma casa. Quão egoísta eu estava sendo. Meu marido, após mais de um ano de tratamento barra pesada voltou a trabalhar na Unicamp e três vezes por semana viajava de fretado sacrificando de doze a quinze horas semanais só no trajeto. Já na gravidez ele suavemente me havia proposto a mudança pra Campinas mas havia uma grande resistência de voltar para o interior, para uma vida interiorana parecida, na minha cabeça, com a da minha infância/adolescência que não foi das mais felizes e da qual fugi na primeira oportunidade que pude, mais de 20 anos atrás.

De novo agora ele timidamente me propunha a mudança e eu não conseguia enxergá-la, até que uma amiga me perguntou: mas por que vocês não mudam pra Barão Geraldo? Essa frase ressoou não só na minha cabeça, mas em todo o meu corpo. Eu não conseguia parar de pensar nisso. Fazia todo sentido. Barão Geraldo. Era um chamado, o mesmo chamado que eu ouvia para me dedicar integralmente à maternidade.

As pessoas hoje, quando chegam na minha casa, se surpreendem com a mudança. Eu as compreendo mas não vejo assim, porque já havia mudado a casa interna muito antes, a mudança externa foi consequência lógica e natural dos passos anteriores.

Não foi fácil, mas também não foi nada difícil porque tudo fazia sentido, tudo vinha de dentro, tudo era natural.

E foi assim que chegamos aqui e agora.